A Reforma Agrária e a construção do Projeto Popular:
Diálogo de Saberes no Assentamento Florestan Fernandes[1]
escrito por Ceres Hadich
O tempo vai passando e quando vemos, já se foi mais um
ano! E de novo nos encontramos aqui, na nossa 'Jornada de Agroecologia'. Nossa
cartilha, faz 11 edições que vem sendo elaborada pelas mãos e muitos homens e
mulheres que acreditam na construção do nosso projeto popular para a
agricultura, e que demonstram em seu dia a dia essa convicção. Neste ano,
quando retornamos à cidade de Londrina para a realização de mais um encontro,
registraremos aqui a bonita experiência do Assentamento Florestan Fernandes,
localizado na região norte do Paraná, a partir da sistematização de um Diálogo
de Saberes no Encontro de Culturas, que estamos fazendo com sete famílias dessa
comunidade.
Então, vamos lá! Começamos
a prosa contando uma história muito interessante, que envolve gente, gerações,
organização, lutas e conquistas...
A região norte do Paraná foi
colonizada em relação ao restante do estado tardiamente. Somente após os anos
40, com o avanço do cultivo do café e a chegada das empresas colonizadoras
inglesas se acelerou o processo de desenvolvimento da região. Com a crise do
café, a cana de açúcar passa a motivar famílias tradicionais latifundiárias a
seguir o processo de desbravamento e colonização. Desde então, a história da
região se confunde com a história da luta pela terra. A guerrilha de Porecatu,
conflito entre posseiros e latifundiários acontecido entre as décadas de 40 e 50,
a partir da motivação inicial que foi a luta pela terra assumiu um caráter de
luta política organizada, motivado pelo Partido Comunista Brasileiro, inaugurou
a história de contestação do poder absoluto das oligarquias rurais.
O final dessa disputa, sangrenta e
violenta, não trouxe os resultados esperados aos camponeses, que por sua vez
queriam o reconhecimento de seus direitos e do acesso à terra. Todavia, ele
tampouco foi capaz de resolver a questão da terra, e serviu como uma semente
plantada nas terras roxas paranaenses, que seria redescoberta e germinada anos
mais tarde novamente...
É no ano de 1991 que o Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra realiza sua primeira ocupação no norte do
Paraná. A fazenda Guairacá, em Londrina, foi o primeiro latifúndio tomado pelos
camponeses Sem Terra. Não diferente da guerrilha de Porecatu, a ação foi
violentamente reprimida por forças do governo e da milícia armada dos
fazendeiros, que despejaram as famílias acampadas em poucos dias.
Ainda assim, o fato não foi
suficiente para desmobilizar as famílias, que no mesmo ano ocuparam a fazenda
Ingá, em Alvorada do Sul, a primeira conquista do MST na região (Assentamento
Iraci Salete). A partir dele, foram organizados vários acampamentos que
permitiram ao longo dos anos a ocupação e conquista da terra em várias fazendas
da região.
Hoje, o MST na região norte está
presente em dez municipios, e conta com
cerca de 1.500 famílias assentadas, em 23 asssentamentos e 4
acampamentos, totalizando um território de mais de 40.000 hectares de terra.
E a luta histórica na região de
Porecatu segue... a conquista do assentamento Maria Lara no ano de 2010, antiga
Fazenda Quem Sabe, palco das lutas e da guerrilha de Porecatu no século
passado, representa uma vitória estratégica do MST frente ao monocultivo da
cana de açúcar e suas consequencias.
É nesta mesma zona que se localiza o
assentamento Florestan Fernandes, cercado por fazendas e usinas canavieiras.
Esta conquista também representa a possibilidade da construção de uma nova realidade
de desenvolvimento para o campo e a cidade, visto que hoje a maioria da
população é explorada pela cultura da cana.
O Projeto de Assentamento Florestan
Fernandes, criado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária –
INCRA, em 1998. Tem 529,61 hectares e nele desde então vivem 29 famílias.
Destas, a maior parte veio da região sudoeste do estado, e a ampla maioria
participou de processos organizados pelo MST para lutar pela terra em
diferentes regiões do estado.
Agora
que já sabemos onde estamos pisando, vamos entender um pouco o que viemos fazer
por aqui...
O Diálogo de Saberes já é nosso conhecido de outros
debates, encontros, e inclusive já esteve presente em outras cartilhas da
Jornada. Pra relembrar...
“O
diálogo de saberes é um método que pretende orientar as relações entre técnicos
e camponeses, e destes entre si, que vem sendo formulado e organizado a partir
da demanda dos movimentos sociais do campo por organizar a produção da
existência em bases agroecológicas, como forma de resistência às investidas do
agronegócio”. (José Maria Tardin e Nilciney
Toná)
Quer dizer, o diálogo é uma ferramenta de trabalho de
base que estamos construindo dentro dos Movimentos Sociais (em nossas escolas e
nas comunidades) para nos ajudar no processo de transição à Agroecologia, numa
construção horizontal de diálogo entre os sujeitos envolvidos.
Nesse processo, não existe fim,
senão uma continuidade da 'prática-teoria-prática' que permite que se amplie as
análises e formule propostas. O próprio Diálogo de Saberes é um processo em
construção, buscando mais que criar consciência política promover ações
concretas na produção agrícola, a partir da compreensão entre todos os
envolvidos, técnicos e camponeses.
Se entende que o Diálogo de Saberes
é também uma forma de produção do conhecimento, a medida em que intervém nos
agroecossistemas, considerando os saberes populares e científicos. A capacidade
de fazer uma análise crítica sobre a situação trabalhada, quando bem feita,
promove a capacidade de pensar. Do modo como se propõe, o Diálogo de Saberes
pode ser considerado uma pesquisa militante. Uma superação da visão pessimista
do diagnóstico e da assistência técnica de mão única, que leva aos camponeses o
saber único e as respostas elaboradas.
Por esse motivo, nos desafiamos a
sistematizar a experiência do Assentamento Florestan Fernandes, por entender
que assim somamos força no enfrentamento ao agronegócio representado pelo monocultivo da
cana de açúcar na região e na construção do nosso projeto popular de
agricultura.
Como
são as coisas por lá...
No PA Florestan Fernandes, as
famílias organizam sua produção nas linhas do leite e grãos principalmente,
existindo também a criação de bicho da seda e frango de corte.
Definimos sete famílias a serem trabalhadas
junto da direção da brigada, e da coordenação do acampamento, considerando
critérios que tornassem o grupo representativo, de acordo com as diferentes
realidades (tamanho e composição familiar, grau de tecnificação dos lotes,
origem das famílias, linhas de produção adotadas...).
Junto das famílias combinamos os
objetivos e a metodologia do trabalho, que foi realizado uma a uma, em visitas
aos lotes. Aí se trabalhou as histórias de vida, toda a etapa do diagnóstico e
caracterização do agroecossistema; o levantamento agronômico com suas
respectivas informações econômicas.
As sistematizações dos
dados foram individuais (por família) e posteriormente organizadas
coletivamente, ficando temas de interesse da comunidade. A devolução dos dados
aconteceu com a presença de todas as famílias envolvidas, representantes da
direção estadual do MST, da brigada e do setor de produção.
E o que
é que a Reforma Agrária Popular tem?!
Uma das primeiras coisas que nos
chamou atenção no assentamento diz respeito à agrobiodiversidade presente e sua
distribuição nos agroecossistemas. Num geral, as famílias organizam seus lotes
da seguinte maneira: uma pequena parte é dedicada ao espaço da casa e o
quintal, que inclui o pomar, as pequenas criações (porcos, galinhas, patos,
gansos,...), os animais de estimação, o horto de plantas ornamentais e
medicinais; a grande parte dos lotes está organizada com foco no manejo do gado
(alimentação, ordenha, armazenamento), e boa parte desse espaço portanto é
dedicado à formação de piquetes. O croqui abaixo, desenhado pelas próprias
famílias durante o trabalho de campo, ilustra um pouco do que estamos dizendo:
Figura 1: Croqui da família A. Dados do trabalho de
campo, 2011.
No caso das famílias que se dedicam
à produção do bicho da seda e do frango, há algumas diferenças em relação ao
desenho e organização do agroecossistema. Há também o caso de famílias que já
não se dedicam à essas linhas de produção, mas que mantém as antigas estruturas
do subsistema no lote.
Analisando os agroecossistemas, notamos que há uma
relação direta entre o aumento da agrobiodiversidade e a produção para o
auto-sustento. Quer dizer, a biodiversidade (de espécies animais e vegetais)
aumenta quando se trata de subsistemas destinados ao auto-consumo familiar.
Quanto mais simples é o subsistema, menor é a diversidade
de espécies presentes nele. Da mesma maneira, há uma relação estreita entre o
tamanho do subsistema, seu fim (geração de renda ou produção para o
auto-sustento) e o índice de agrobiodiversidade. Ainda que os subsistemas
destinados ao auto-consumo apresentem uma maior diversidade de espécies, eles
ocupam as menores porções do lote.
Identificamos 97 espécies (19
animais e 78 vegetais). Em todas as famílias, porém, apenas 6% delas estão
presentes (gado de leite, cana de açúcar, cachorros, limão, milho e banana).
Isso revela que há diferentes níveis de agrobiodiversidade entre as famílias.
A produção de leite é a fonte de
renda mais importante (no aspecto monetário) para as famílias. A produção vegetal
tem uma relevância tanto na produção para o auto-consumo das famílias quanto
dos próprios animais. É o caso da cana de açúcar, que é cultivada com fins de
produção de alimentação para o gado, e, na maioria (85,7%), o milho e a
mandioca são destinados à alimentação animal e ao consumo familiar. Mais da
metade das famílias (57,2%) cultiva o feijão para o alto-consumo, a produção de
sementes e a comercialização de seu excedente.
No caso das frutas e árvores, a
produção se destina ao auto-consumo, à produção de lenha e madeira. Existem
iniciativas em algumas famílias da venda do excedente da produção de frutas
para o PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar), organizado neste caso
pela prefeitura municipal. Foram identificadas 40 espécies de frutas produzidas
dentro do assentamento.
No entorno das casas, o cultivo das
plantas ornamentais, flores e arbustos é comum, e tem como finalidade principal
o embelezamento das casas. Parece ser a produção de plantas medicinais,
temperos e hortaliças o ponto mais fraco da diversidade e autonomia na produção
das famílias. Um dos argumentos utilizados pelas famílias é a questão do clima,
que permite que hortaliças sejam cultivadas somente nos meses mais frescos do
ano. Em virtude disso, a base alimentar das famílias concentra uma pequena
variedade de hortaliças e legumes, não passando de 15 espécies entre o que se
cultiva e o que se compra fora do assentamento. O mesmo passa com as plantas
medicinais e os temperos, que totalizam 19 espécies, ainda que exista o conhecimento
de seus benefícios e possibilidades de uso.
Vamos
falar um pouco de economia, para isso utilizaremos dados da produção média das
famílias organizados nas tabelas orientadoras do Diálogo de Saberes:
Figura 2:
Indicadores Econômicos do Assentamento Florestan Fernandes. Dados do trabalho
de campo, 2011.
Pra facilitar o entendimento, vamos explicar o que
significa cada um desses conceitos:
-
PB é a Produção Bruta, que representa o valor total (monetário)
que ingressa no sistema produtivo no período de um ano agrícola. A média das
famílias é de R$ 32.905,22.
-
do produto bruto, se descontam as saídas (são os custos de
produção, força de trabalho – a mão de obra, os insumos e os serviços) para se
chegar ao Valor Agregado (VA) que é o que de fato ingressa à família camponesa.
Neste caso a média é R$17.262,85 por família ao ano.
-
Para que a produção bruta vire riqueza é necessário o
trabalho. Na tabela, o indicador denominado Custo Intermediário (CI) não
monetário expressa a quantidade de força de trabalho que a família
disponibiliza, mas que geralmente não está visível, no processo de produção. O
interessante é que esse custo, 'invisível', é superior ao custo monetário,
geralmente quantificado.
Essa
condição, de transformar a natureza a partir do trabalho e do manejo dos
recursos disponíveis faz parte do modo de vida camponês, e é uma condição
essencial para a manutenção e sobrevivência desses camponeses. Se trata de uma
imposição material da lógica de produção capitalista (reter parte da produção
para o auto-consumo e conduzir ao mercado o excedente com fins de obter
recursos que lhes permitam comprar outras mercadorias que satisfaçam as demais
necessidades e também permitam a continuidade da produção.
Estar
consciente desta subordinação social material lhes permite traçar estratégias
para se organizar (como indivíduos ou como classe), estabelecendo formas de
organização e ação que fortaleçam o enfrentamento ao capital com vista na
transformação social da sociedade.
um outro indicador é o da Rentabilidade (Rent), que é a
razão entre o Valor Agregado e o Custo Intermediário. No nosso caso, temos:
17122,00 / (6133,86 + 9649,38) = 1,08. Isso quer dizer que a cada 1 real
investido no agroecossistema, há um retorno de 1,08 real. É possível pensar no
aumento desta rentabilidade de duas maneiras fundamentalmente: diminuindo os
custos intermediários de produção, à medida em que a família compre menos
insumos (sementes, adubos, mão de obra contratada, por exemplo) ou adote
tecnologias que economizem combustível e tempo de trabalho.
Neste
sentido, é possível associar a inovação tecnológica e o investimento de novas
tecnologias dentro do lote, com fins de tornar menor a demanda da força de
trabalho da família, e por cosequência, dos CI. Este aspecto é interessante
porque permite baixar os custos e ao mesmo tempo melhorar a qualidade de vida
da família camponesa, por meio do incremento da tecnologia.
Iniciativas
e processos de cooperação seguem essa mesma lógica, de agregar capacidade
produtica, otimizando o tempo e os recursos e diminuindo os custos e o esforço
pelo trabalho. Esses são elementos que fortalecem as condições de
sustentabilidade, além de permitir a manutenção das pessoas vinculadas à terra.
Seguindo nosso diálogo
pelos saberes camponeses, é hora de observar elementos da Soberania Alimentar e
Autonomia que estão estabelecidos no PA Florestan Fernandes:
Na figura 9 estão destacadas em porcentagem o valor da produção destinada ao auto-consumo das famílias, no período de um ano agrícola. É o que se destina à alimentação da família e dos animais. Do outro lado, está o valor dos gastos que as famílias tem com compras destinadas para garantir as demais necessidades da família e do lote.
Se destaca que estes 57,38% da
produção para o auto-sustento (de renda não monetária) revertido em cifras
representa mais de R$ 809,27 por mês, que dizer, a família economiza, deixa de
depender do mercado para definir sua alimentação e sua reprodução dentro da
propriedade.
Estes são princípios da autonomia
camponesa, de definir o que vão plantar, em qual período do ano, escolher a
tecnologia de produção, de acordo com as necessidades e possibilidades de
trabalho e recursos.
Esse debate é muito importante: como
aumentar ainda mais a capacidade de auto-determinação das famílias na
propriedade, incrementando a biodiversidade, sobretudo nos subsistemas
destinados à produção de alimentos e também como diminuir a partir desta
lógica, a compra de produtos que podem ser produzidos dentro do próprio
agroecossistema, ou substutuídos por outros que possam. É o caso de algumas
frutas, hortliças, derivados animais e vegetais por exemplo.
Figura 4: Relação renda Monetária e Não Monetária (Auto-sustento). Dados do trabalho de campo, 2011.
Fica claro que há um limite no que diz respeito à dependência de um subsistema como fonte principal de renda, no nosso caso, a venda de leite e seus derivados. Essa situação aumenta a vulnerabilidade econômica das famílias, uma vez que suas entradas provém quase em sua totalidade da comercialização do leite. Quando se leva em conta que o comércio se estabelece com um grande latocínio privado, essa condição se aprofunda ainda mais, e se torna uma ameaça à estabilidade do assentamento.
Como saída, e esse caminho vem sendo
de fato construído, o fortalecimento de cooperativas próprias das famílias
camponesas, e o desenvolvimento das agroindústiras dos assentados da reforma
agrária pode ser viável, desde o ponto de vista da segurança e a garantia de
compra e preços aos camponeses. A perspeciva é que já no segundo semestre de
2012 a COPRAN (que é a Cooperativa Regional das famílias Sem Terra, criada em
1997) comece a recolher e processar o leite de seus associados na própria
agroindústria, que está sendo construída no município de Arapongas, dentro do
Assentamento Dorcelina Folador.
Por sua vez, esta iniciativa isolada
não é suficientemente eficaz para resolver a questão da vulnerabilidade
econômica. Por isso é necessário pensar estratégias de diversificação da renda
a partir da enda do excedente de produção dos demais subsistemas, que hoje
estão destinados fundamentalmente ao auto-consumo. Exemplo disto é a
comercialização das frutas (frescas ou processadas como sucos, doces,
compotas...) que além de diversificar a produção pode se apresentar como fonte
de ingresso no subsistema que hoje se destina somente ao consumo familiar.
Essa estratégia pode se somar à uma
iniciativa já existente, mas adotada por poucas famílias do assentamento, que é
o acesso aos mercados institucionais, destinados à compra dos produtos da
agricultura familiar. Estas políticas são conquistas dos próprios camponeses e
camponesas, que hoje tem garantidos por lei a compra de 30% dos produtos
utilizados na alimentação das escolas municipais.
Além do PNAE (Programa Nacional de
Alimentação Escolar), há outros programas como o PAA (Programa de Aquisição de
Alimentos, mais conhecido com 'Compra Direta'), que valorizam e garantem a
compra da produção por meio de políticas públicas do Estado brasileiro, que se
destinam à produção de reservas e ao apoio à instituições se fins lucrativos
(como creches, hospitais, lares para
idosos...) que recebem como doações os alimentos comprados pelas famílias camponesas.
Por fim, ao pensar a diversificação
das fontes de renda somadas à construção da autonomia econômica das famílias e
ao fortalecimento de relações com os trabalhadores da cidade, é possível,
levando em conta a proximidade do assentamento ao centro urbano de
Florestópolis, pensar em formas de venda e comercialização direta dos produtos
da reforma agrária, por meio de feiras, a venda de cestas de produtos
selecionados à população ou mesmo aos pequenos mercados locais.
Falando
em sustentabilidade...
Pra transformar em números os
processos construídos pelas famílias assentadas, levamos em conta algumas três
dimensões consideradas chave para a análise da sustentabilidade. São elas:
econômica, ecológica e socio-cultural. A partir dessas dimensões, consideramos
critérios de produtividade, estabilidade, autonomia e equidade. Assim chegamos
à esta figura:
Figura
5: Índice da Sustentabilidade. Dados do trabalho de campo, 2011.
No âmbito econômico o índice de 0,62 (62%) se refere aos médios níveis de rentabilidade, valor agragado na produção, produtividade do trabalho e a intensidade do uso da terra. Também se considerou que ainda que haja limitadas vias de comercialização, de outro lado, existem outrras possiblidades de comércio que vem sendo experimentadas e implementadas no assentamento, como as iniciativas de vendas aos programas estatais, o fortalecimento de uma cooperativa regional própria, elementos que aumentam a independência das famílias frente aos mercados.
Seguindo o tema da autonomia,
critérios que servem tanto para a análise econômica quanto ecológica do
agroecossistema apresenta resultados também médios, quando se trata da
diversificação da produção para o auto-consumo, ainda que a expressão da renda
não monetária esteja bastante elevada e significativa. Outro fator limitante é
o número de produtos comercializados e o processamento (diversificação dos
mesmos), quase não existente.
Por outro lado, se nota práticas de
consórcios e poucas áreas não utilizadas, produção, melhoramento e troca de
sementes (dentro do próprio assentamento e com outras áreas), e uso de algumas
técnicas de conservação de solos e dos recursos naturais, como o aproveitamento
do esterco das vacas, das folhas secas, práticas de adubação verde e uso de
caldas.
A dimensão ecológica, graças à esses
elementos e outros que seguem, alcançou um índice de 0,69 (69%). Também sse
levou em consideração o número de espécies cultivadas e espontâneas, a
preservação dos recursos naturais (minas d'água e resercas florestais
existentes no assentamento) e o baixo uso de agrotóxicos. De modo geral, as
famílias tem uma consciência e uma ação de não utilização dos venenos na
prática hoje se nota de fato uma baixa dependência em relação ao uso dos
mesmos.
A terceira dimensão considerada, a
sociocultural obteve um índice referente à 0,53 (53%), e teve como enfoque
central na análise a equidade nas relações dentro das famílias, na comunidade,
na relação com a sociedade e dentro do MST.
Se considerou que há uma relativa
distribuição das tarefas que existem entre os membros da família, seja no
trabalho, no planejamento ou na tomada de decisões, e do mesmo modo, na
distribuição da renda. Num geral, é limitada a participação nas atividades da comunidade (da Igreja,
do centro comunitário, esportes,...) ainda que estas sejam ainda mais
expressivas que a participação em atividades externas promovidas pelo Movimento
Sem Terra (mobilizações, encontros, marchas, cursos de formação,...).
Por outro lado, está presente e
muito firme a presença da organização quando se leva em conta a aplicação dos
princípios e das linhas de produção do assentamento, assim como a identidade
das famílias, a pertença, o passado e a história que tem construída junto do
MST. Não há e nem se admite no assentamento práticas de arrendamento ou venda
da terra, nem tampouco de cultivo de organismos transgênicos.
No índice total, fruto da média
entre os três anteriores, se alcançou um grau de 0,61, ou seja, de 61% de
sustentabilidade. Existe um sentido comum no Assentamento Florestan Fernandes:
as famílias camponesas, que vieram de distintos processos de história de luta
pela terra tem no Movimento Sem Terra uma referência para suas conquistas.
Hoje, uma pequena ilha no mar de
cana no norte do Paraná serve como farol e exemplo, a todos os que acreditam
que construir uma outra realidade para o campo e a cidade depende de uma
reforma agrária que cumpra com sua função social, e mais que isso, produza
alimentos saudáveis e comprometidos com os recursos naturais e as futuras
gerações. Mas, acima de tudo, que promova a qualidade de vida e o
desenvolvimento humano, conquistada com o trabalho e a organização de todos.
Finalizando
a prosa pra seguir a caminhada...
Certamente a experiência do
assentamento Florestan Fernandes, tem muito a ver com a realidade que vivemos
em nossas comunidades. Esse é um dos muitos retratos da reforma agrária que
temos e que estamos construíndo. Nesse desafio, conhecer e se reconhecer em
outras experiências, e aprender com elas, é parte dessa construção.
Para isso, os temas da 11a
Cartilha da Jornada de Agroecologia se relacionam com o nosso desafio da
construção da agroecologia, para seguirmos construindo e fazendo lá em todas as
nossas comunidades, a começar pela nossa casa. São temas, como recursos
naturais, a produção animal e vegetal agroecológica, o manejo agroecológico da
biodiversidade (a aplicações bem úteis e específicas como a homeopatia,
permacultura, agroflorestas e biodigestores).
A agroecologia, que é pilar do nosso
projeto popular e soberano de agricultura, deve ser pauta permanente de todas
as famílias camponesas, comprometidas com a organização e com a classe
trabalhadora. Vamos ao trabalho?!
[1] Esse artigo é baseado na dissertação de Mestrado em Agroecologia
na Universidade Agrária de La Habana, Cuba, pela companheira Ceres Luisa
Antunes Hadich, militante do MST do Paraná. O trabalho original se entitula
"Diálogo de Saberes en el desarrollo de la Agricultura Campesina y la
Soberanía Alimentaria en el Asentamiento Florestan Fernandes", defendido
em abril de 2012.
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