quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Dialogo de Saberes Encontro de Culturas.






A Reforma Agrária e a construção do Projeto Popular: 
Diálogo de Saberes no Assentamento Florestan Fernandes[1]
 escrito por Ceres Hadich

            O tempo vai passando e quando vemos, já se foi mais um ano! E de novo nos encontramos aqui, na nossa 'Jornada de Agroecologia'. Nossa cartilha, faz 11 edições que vem sendo elaborada pelas mãos e muitos homens e mulheres que acreditam na construção do nosso projeto popular para a agricultura, e que demonstram em seu dia a dia essa convicção. Neste ano, quando retornamos à cidade de Londrina para a realização de mais um encontro, registraremos aqui a bonita experiência do Assentamento Florestan Fernandes, localizado na região norte do Paraná, a partir da sistematização de um Diálogo de Saberes no Encontro de Culturas, que estamos fazendo com sete famílias dessa comunidade.


Aulas Dialogo de Saberes na ELAA.
           
Então, vamos lá! Começamos a prosa contando uma história muito interessante, que envolve gente, gerações, organização, lutas e conquistas...

            A região norte do Paraná foi colonizada em relação ao restante do estado tardiamente. Somente após os anos 40, com o avanço do cultivo do café e a chegada das empresas colonizadoras inglesas se acelerou o processo de desenvolvimento da região. Com a crise do café, a cana de açúcar passa a motivar famílias tradicionais latifundiárias a seguir o processo de desbravamento e colonização. Desde então, a história da região se confunde com a história da luta pela terra. A guerrilha de Porecatu, conflito entre posseiros e latifundiários acontecido entre as décadas de 40 e 50, a partir da motivação inicial que foi a luta pela terra assumiu um caráter de luta política organizada, motivado pelo Partido Comunista Brasileiro, inaugurou a história de contestação do poder absoluto das oligarquias rurais.
            O final dessa disputa, sangrenta e violenta, não trouxe os resultados esperados aos camponeses, que por sua vez queriam o reconhecimento de seus direitos e do acesso à terra. Todavia, ele tampouco foi capaz de resolver a questão da terra, e serviu como uma semente plantada nas terras roxas paranaenses, que seria redescoberta e germinada anos mais tarde novamente...
            É no ano de 1991 que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra realiza sua primeira ocupação no norte do Paraná. A fazenda Guairacá, em Londrina, foi o primeiro latifúndio tomado pelos camponeses Sem Terra. Não diferente da guerrilha de Porecatu, a ação foi violentamente reprimida por forças do governo e da milícia armada dos fazendeiros, que despejaram as famílias acampadas em poucos dias.
            Ainda assim, o fato não foi suficiente para desmobilizar as famílias, que no mesmo ano ocuparam a fazenda Ingá, em Alvorada do Sul, a primeira conquista do MST na região (Assentamento Iraci Salete). A partir dele, foram organizados vários acampamentos que permitiram ao longo dos anos a ocupação e conquista da terra em várias fazendas da região.
            Hoje, o MST na região norte está presente em dez municipios, e conta com  cerca de 1.500 famílias assentadas, em 23 asssentamentos e 4 acampamentos, totalizando um território de mais de 40.000 hectares de terra.
            E a luta histórica na região de Porecatu segue... a conquista do assentamento Maria Lara no ano de 2010, antiga Fazenda Quem Sabe, palco das lutas e da guerrilha de Porecatu no século passado, representa uma vitória estratégica do MST frente ao monocultivo da cana de açúcar e suas consequencias.
            É nesta mesma zona que se localiza o assentamento Florestan Fernandes, cercado por fazendas e usinas canavieiras. Esta conquista também representa a possibilidade da construção de uma nova realidade de desenvolvimento para o campo e a cidade, visto que hoje a maioria da população é explorada pela cultura da cana.
            O Projeto de Assentamento Florestan Fernandes, criado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, em 1998. Tem 529,61 hectares e nele desde então vivem 29 famílias. Destas, a maior parte veio da região sudoeste do estado, e a ampla maioria participou de processos organizados pelo MST para lutar pela terra em diferentes regiões do estado.

Agora que já sabemos onde estamos pisando, vamos entender um pouco o que viemos fazer por aqui...

            O Diálogo de Saberes já é nosso conhecido de outros debates, encontros, e inclusive já esteve presente em outras cartilhas da Jornada. Pra relembrar...
“O diálogo de saberes é um método que pretende orientar as relações entre técnicos e camponeses, e destes entre si, que vem sendo formulado e organizado a partir da demanda dos movimentos sociais do campo por organizar a produção da existência em bases agroecológicas, como forma de resistência às investidas do agronegócio”.  (José Maria Tardin e Nilciney Toná)
            Quer dizer, o diálogo é uma ferramenta de trabalho de base que estamos construindo dentro dos Movimentos Sociais (em nossas escolas e nas comunidades) para nos ajudar no processo de transição à Agroecologia, numa construção horizontal de diálogo entre os sujeitos envolvidos.
            Nesse processo, não existe fim, senão uma continuidade da 'prática-teoria-prática' que permite que se amplie as análises e formule propostas. O próprio Diálogo de Saberes é um processo em construção, buscando mais que criar consciência política promover ações concretas na produção agrícola, a partir da compreensão entre todos os envolvidos, técnicos e camponeses.
            Se entende que o Diálogo de Saberes é também uma forma de produção do conhecimento, a medida em que intervém nos agroecossistemas, considerando os saberes populares e científicos. A capacidade de fazer uma análise crítica sobre a situação trabalhada, quando bem feita, promove a capacidade de pensar. Do modo como se propõe, o Diálogo de Saberes pode ser considerado uma pesquisa militante. Uma superação da visão pessimista do diagnóstico e da assistência técnica de mão única, que leva aos camponeses o saber único e as respostas elaboradas.
            Por esse motivo, nos desafiamos a sistematizar a experiência do Assentamento Florestan Fernandes, por entender que assim somamos força no enfrentamento ao agronegócio representado pelo monocultivo da cana de açúcar na região e na construção do nosso projeto popular de agricultura.


Como são as coisas por lá...

            No PA Florestan Fernandes, as famílias organizam sua produção nas linhas do leite e grãos principalmente, existindo também a criação de bicho da seda e frango de corte.
            Definimos sete famílias a serem trabalhadas junto da direção da brigada, e da coordenação do acampamento, considerando critérios que tornassem o grupo representativo, de acordo com as diferentes realidades (tamanho e composição familiar, grau de tecnificação dos lotes, origem das famílias, linhas de produção adotadas...).
            Junto das famílias combinamos os objetivos e a metodologia do trabalho, que foi realizado uma a uma, em visitas aos lotes. Aí se trabalhou as histórias de vida, toda a etapa do diagnóstico e caracterização do agroecossistema; o levantamento agronômico com suas respectivas informações econômicas.
            As sistematizações dos dados foram individuais (por família) e posteriormente organizadas coletivamente, ficando temas de interesse da comunidade. A devolução dos dados aconteceu com a presença de todas as famílias envolvidas, representantes da direção estadual do MST, da brigada e do setor de produção.

E o que é que a Reforma Agrária Popular tem?!
           
            Uma das primeiras coisas que nos chamou atenção no assentamento diz respeito à agrobiodiversidade presente e sua distribuição nos agroecossistemas. Num geral, as famílias organizam seus lotes da seguinte maneira: uma pequena parte é dedicada ao espaço da casa e o quintal, que inclui o pomar, as pequenas criações (porcos, galinhas, patos, gansos,...), os animais de estimação, o horto de plantas ornamentais e medicinais; a grande parte dos lotes está organizada com foco no manejo do gado (alimentação, ordenha, armazenamento), e boa parte desse espaço portanto é dedicado à formação de piquetes. O croqui abaixo, desenhado pelas próprias famílias durante o trabalho de campo, ilustra um pouco do que estamos dizendo:







Figura 1: Croqui da família A. Dados do trabalho de campo, 2011.

            No caso das famílias que se dedicam à produção do bicho da seda e do frango, há algumas diferenças em relação ao desenho e organização do agroecossistema. Há também o caso de famílias que já não se dedicam à essas linhas de produção, mas que mantém as antigas estruturas do subsistema no lote.
            Analisando os agroecossistemas, notamos que há uma relação direta entre o aumento da agrobiodiversidade e a produção para o auto-sustento. Quer dizer, a biodiversidade (de espécies animais e vegetais) aumenta quando se trata de subsistemas destinados ao auto-consumo familiar.
            Quanto mais simples é o subsistema, menor é a diversidade de espécies presentes nele. Da mesma maneira, há uma relação estreita entre o tamanho do subsistema, seu fim (geração de renda ou produção para o auto-sustento) e o índice de agrobiodiversidade. Ainda que os subsistemas destinados ao auto-consumo apresentem uma maior diversidade de espécies, eles ocupam as menores porções do lote.
            Identificamos 97 espécies (19 animais e 78 vegetais). Em todas as famílias, porém, apenas 6% delas estão presentes (gado de leite, cana de açúcar, cachorros, limão, milho e banana). Isso revela que há diferentes níveis de agrobiodiversidade entre as famílias.
            A produção de leite é a fonte de renda mais importante (no aspecto monetário) para as famílias. A produção vegetal tem uma relevância tanto na produção para o auto-consumo das famílias quanto dos próprios animais. É o caso da cana de açúcar, que é cultivada com fins de produção de alimentação para o gado, e, na maioria (85,7%), o milho e a mandioca são destinados à alimentação animal e ao consumo familiar. Mais da metade das famílias (57,2%) cultiva o feijão para o alto-consumo, a produção de sementes e a comercialização de seu excedente.
            No caso das frutas e árvores, a produção se destina ao auto-consumo, à produção de lenha e madeira. Existem iniciativas em algumas famílias da venda do excedente da produção de frutas para o PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar), organizado neste caso pela prefeitura municipal. Foram identificadas 40 espécies de frutas produzidas dentro do assentamento.
            No entorno das casas, o cultivo das plantas ornamentais, flores e arbustos é comum, e tem como finalidade principal o embelezamento das casas. Parece ser a produção de plantas medicinais, temperos e hortaliças o ponto mais fraco da diversidade e autonomia na produção das famílias. Um dos argumentos utilizados pelas famílias é a questão do clima, que permite que hortaliças sejam cultivadas somente nos meses mais frescos do ano. Em virtude disso, a base alimentar das famílias concentra uma pequena variedade de hortaliças e legumes, não passando de 15 espécies entre o que se cultiva e o que se compra fora do assentamento. O mesmo passa com as plantas medicinais e os temperos, que totalizam 19 espécies, ainda que exista o conhecimento de seus benefícios e possibilidades de uso.

Vamos falar um pouco de economia, para isso utilizaremos dados da produção média das famílias organizados nas tabelas orientadoras do Diálogo de Saberes:

Figura 2: Indicadores Econômicos do Assentamento Florestan Fernandes. Dados do trabalho de campo, 2011.


            Pra facilitar o entendimento, vamos explicar o que significa cada um desses conceitos:
-        PB é a Produção Bruta, que representa o valor total (monetário) que ingressa no sistema produtivo no período de um ano agrícola. A média das famílias é de R$ 32.905,22.
-        do produto bruto, se descontam as saídas (são os custos de produção, força de trabalho – a mão de obra, os insumos e os serviços) para se chegar ao Valor Agregado (VA) que é o que de fato ingressa à família camponesa. Neste caso a média é R$17.262,85 por família ao ano.
-        Para que a produção bruta vire riqueza é necessário o trabalho. Na tabela, o indicador denominado Custo Intermediário (CI) não monetário expressa a quantidade de força de trabalho que a família disponibiliza, mas que geralmente não está visível, no processo de produção. O interessante é que esse custo, 'invisível', é superior ao custo monetário, geralmente quantificado.
            Essa condição, de transformar a natureza a partir do trabalho e do manejo dos recursos disponíveis faz parte do modo de vida camponês, e é uma condição essencial para a manutenção e sobrevivência desses camponeses. Se trata de uma imposição material da lógica de produção capitalista (reter parte da produção para o auto-consumo e conduzir ao mercado o excedente com fins de obter recursos que lhes permitam comprar outras mercadorias que satisfaçam as demais necessidades e também permitam a continuidade da produção.
            Estar consciente desta subordinação social material lhes permite traçar estratégias para se organizar (como indivíduos ou como classe), estabelecendo formas de organização e ação que fortaleçam o enfrentamento ao capital com vista na transformação social da sociedade.
    um outro indicador é o da Rentabilidade (Rent), que é a razão entre o Valor Agregado e o Custo Intermediário. No nosso caso, temos: 17122,00 / (6133,86 + 9649,38) = 1,08. Isso quer dizer que a cada 1 real investido no agroecossistema, há um retorno de 1,08 real. É possível pensar no aumento desta rentabilidade de duas maneiras fundamentalmente: diminuindo os custos intermediários de produção, à medida em que a família compre menos insumos (sementes, adubos, mão de obra contratada, por exemplo) ou adote tecnologias que economizem combustível e tempo de trabalho.
            Neste sentido, é possível associar a inovação tecnológica e o investimento de novas tecnologias dentro do lote, com fins de tornar menor a demanda da força de trabalho da família, e por cosequência, dos CI. Este aspecto é interessante porque permite baixar os custos e ao mesmo tempo melhorar a qualidade de vida da família camponesa, por meio do incremento da tecnologia.
            Iniciativas e processos de cooperação seguem essa mesma lógica, de agregar capacidade produtica, otimizando o tempo e os recursos e diminuindo os custos e o esforço pelo trabalho. Esses são elementos que fortalecem as condições de sustentabilidade, além de permitir a manutenção das pessoas vinculadas à terra.

Seguindo nosso diálogo pelos saberes camponeses, é hora de observar elementos da Soberania Alimentar e Autonomia que estão estabelecidos no PA Florestan Fernandes:


 Figura 3: Soberania Alimentar e Autonomia. Dados do trabalho de campo, 2011.


               Na figura 9 estão destacadas em porcentagem o valor da produção destinada ao auto-consumo das famílias, no período de um ano agrícola. É o que se destina à alimentação da família e dos animais. Do outro lado, está o valor dos gastos que as famílias tem com compras destinadas para garantir as demais necessidades da família e do lote.
            Se destaca que estes 57,38% da produção para o auto-sustento (de renda não monetária) revertido em cifras representa mais de R$ 809,27 por mês, que dizer, a família economiza, deixa de depender do mercado para definir sua alimentação e sua reprodução dentro da propriedade.
            Estes são princípios da autonomia camponesa, de definir o que vão plantar, em qual período do ano, escolher a tecnologia de produção, de acordo com as necessidades e possibilidades de trabalho e recursos.
            Esse debate é muito importante: como aumentar ainda mais a capacidade de auto-determinação das famílias na propriedade, incrementando a biodiversidade, sobretudo nos subsistemas destinados à produção de alimentos e também como diminuir a partir desta lógica, a compra de produtos que podem ser produzidos dentro do próprio agroecossistema, ou substutuídos por outros que possam. É o caso de algumas frutas, hortliças, derivados animais e vegetais por exemplo.


Figura 4: Relação renda Monetária e Não Monetária (Auto-sustento). Dados do trabalho de campo, 2011.



            
          Fica claro que há um limite no que diz respeito à dependência de um subsistema como fonte principal de renda, no nosso caso, a venda de leite e seus derivados. Essa situação aumenta a vulnerabilidade econômica das famílias, uma vez que suas entradas provém quase em sua totalidade da comercialização do leite. Quando se leva em conta que o comércio se estabelece com um grande latocínio privado, essa condição se aprofunda ainda mais, e se torna uma ameaça à estabilidade do assentamento.
            Como saída, e esse caminho vem sendo de fato construído, o fortalecimento de cooperativas próprias das famílias camponesas, e o desenvolvimento das agroindústiras dos assentados da reforma agrária pode ser viável, desde o ponto de vista da segurança e a garantia de compra e preços aos camponeses. A perspeciva é que já no segundo semestre de 2012 a COPRAN (que é a Cooperativa Regional das famílias Sem Terra, criada em 1997) comece a recolher e processar o leite de seus associados na própria agroindústria, que está sendo construída no município de Arapongas, dentro do Assentamento Dorcelina Folador.
            Por sua vez, esta iniciativa isolada não é suficientemente eficaz para resolver a questão da vulnerabilidade econômica. Por isso é necessário pensar estratégias de diversificação da renda a partir da enda do excedente de produção dos demais subsistemas, que hoje estão destinados fundamentalmente ao auto-consumo. Exemplo disto é a comercialização das frutas (frescas ou processadas como sucos, doces, compotas...) que além de diversificar a produção pode se apresentar como fonte de ingresso no subsistema que hoje se destina somente ao consumo familiar.
            Essa estratégia pode se somar à uma iniciativa já existente, mas adotada por poucas famílias do assentamento, que é o acesso aos mercados institucionais, destinados à compra dos produtos da agricultura familiar. Estas políticas são conquistas dos próprios camponeses e camponesas, que hoje tem garantidos por lei a compra de 30% dos produtos utilizados na alimentação das escolas municipais.
            Além do PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar), há outros programas como o PAA (Programa de Aquisição de Alimentos, mais conhecido com 'Compra Direta'), que valorizam e garantem a compra da produção por meio de políticas públicas do Estado brasileiro, que se destinam à produção de reservas e ao apoio à instituições se fins lucrativos (como creches, hospitais,  lares para idosos...) que recebem como doações os alimentos comprados pelas famílias camponesas.
            Por fim, ao pensar a diversificação das fontes de renda somadas à construção da autonomia econômica das famílias e ao fortalecimento de relações com os trabalhadores da cidade, é possível, levando em conta a proximidade do assentamento ao centro urbano de Florestópolis, pensar em formas de venda e comercialização direta dos produtos da reforma agrária, por meio de feiras, a venda de cestas de produtos selecionados à população ou mesmo aos pequenos mercados locais.

Falando em sustentabilidade...

            Pra transformar em números os processos construídos pelas famílias assentadas, levamos em conta algumas três dimensões consideradas chave para a análise da sustentabilidade. São elas: econômica, ecológica e socio-cultural. A partir dessas dimensões, consideramos critérios de produtividade, estabilidade, autonomia e equidade. Assim chegamos à esta figura:

            
Figura 5: Índice da Sustentabilidade. Dados do trabalho de campo, 2011.


No âmbito econômico o índice de 0,62 (62%) se refere aos médios níveis de rentabilidade, valor agragado na produção, produtividade do trabalho e a intensidade do uso da terra. Também se considerou que ainda que haja limitadas vias de comercialização, de outro lado, existem outrras possiblidades de comércio que vem sendo experimentadas e implementadas no assentamento, como as iniciativas de vendas aos programas estatais, o fortalecimento de uma cooperativa regional própria, elementos que aumentam a independência das famílias frente aos mercados.
            Seguindo o tema da autonomia, critérios que servem tanto para a análise econômica quanto ecológica do agroecossistema apresenta resultados também médios, quando se trata da diversificação da produção para o auto-consumo, ainda que a expressão da renda não monetária esteja bastante elevada e significativa. Outro fator limitante é o número de produtos comercializados e o processamento (diversificação dos mesmos), quase não existente.
            Por outro lado, se nota práticas de consórcios e poucas áreas não utilizadas, produção, melhoramento e troca de sementes (dentro do próprio assentamento e com outras áreas), e uso de algumas técnicas de conservação de solos e dos recursos naturais, como o aproveitamento do esterco das vacas, das folhas secas, práticas de adubação verde e uso de caldas.
            A dimensão ecológica, graças à esses elementos e outros que seguem, alcançou um índice de 0,69 (69%). Também sse levou em consideração o número de espécies cultivadas e espontâneas, a preservação dos recursos naturais (minas d'água e resercas florestais existentes no assentamento) e o baixo uso de agrotóxicos. De modo geral, as famílias tem uma consciência e uma ação de não utilização dos venenos na prática hoje se nota de fato uma baixa dependência em relação ao uso dos mesmos.
            A terceira dimensão considerada, a sociocultural obteve um índice referente à 0,53 (53%), e teve como enfoque central na análise a equidade nas relações dentro das famílias, na comunidade, na relação com a sociedade e dentro do MST.
            Se considerou que há uma relativa distribuição das tarefas que existem entre os membros da família, seja no trabalho, no planejamento ou na tomada de decisões, e do mesmo modo, na distribuição da renda. Num geral, é limitada a participação nas atividades da comunidade (da Igreja, do centro comunitário, esportes,...) ainda que estas sejam ainda mais expressivas que a participação em atividades externas promovidas pelo Movimento Sem Terra (mobilizações, encontros, marchas, cursos de formação,...).
            Por outro lado, está presente e muito firme a presença da organização quando se leva em conta a aplicação dos princípios e das linhas de produção do assentamento, assim como a identidade das famílias, a pertença, o passado e a história que tem construída junto do MST. Não há e nem se admite no assentamento práticas de arrendamento ou venda da terra, nem tampouco de cultivo de organismos transgênicos.
            No índice total, fruto da média entre os três anteriores, se alcançou um grau de 0,61, ou seja, de 61% de sustentabilidade. Existe um sentido comum no Assentamento Florestan Fernandes: as famílias camponesas, que vieram de distintos processos de história de luta pela terra tem no Movimento Sem Terra uma referência para suas conquistas.
            Hoje, uma pequena ilha no mar de cana no norte do Paraná serve como farol e exemplo, a todos os que acreditam que construir uma outra realidade para o campo e a cidade depende de uma reforma agrária que cumpra com sua função social, e mais que isso, produza alimentos saudáveis e comprometidos com os recursos naturais e as futuras gerações. Mas, acima de tudo, que promova a qualidade de vida e o desenvolvimento humano, conquistada com o trabalho e a organização de todos.

Finalizando a prosa pra seguir a caminhada...
           
            Certamente a experiência do assentamento Florestan Fernandes, tem muito a ver com a realidade que vivemos em nossas comunidades. Esse é um dos muitos retratos da reforma agrária que temos e que estamos construíndo. Nesse desafio, conhecer e se reconhecer em outras experiências, e aprender com elas, é parte dessa construção.
            Para isso, os temas da 11a Cartilha da Jornada de Agroecologia se relacionam com o nosso desafio da construção da agroecologia, para seguirmos construindo e fazendo lá em todas as nossas comunidades, a começar pela nossa casa. São temas, como recursos naturais, a produção animal e vegetal agroecológica, o manejo agroecológico da biodiversidade (a aplicações bem úteis e específicas como a homeopatia, permacultura, agroflorestas e biodigestores).
            A agroecologia, que é pilar do nosso projeto popular e soberano de agricultura, deve ser pauta permanente de todas as famílias camponesas, comprometidas com a organização e com a classe trabalhadora. Vamos ao trabalho?!



[1]   Esse artigo é baseado na dissertação de Mestrado em Agroecologia na Universidade Agrária de La Habana, Cuba, pela companheira Ceres Luisa Antunes Hadich, militante do MST do Paraná. O trabalho original se entitula "Diálogo de Saberes en el desarrollo de la Agricultura Campesina y la Soberanía Alimentaria en el Asentamiento Florestan Fernandes", defendido em abril de 2012.

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